terça-feira, 29 de julho de 2008

Minicontos Outros! (Paulo Neuman)


Lenda Urbana!
Veste-se com sacos pretos de lixo - figurinista de si próprio e roteirista e diretor e principal ator de um longa-metragem sem trilha sonora! Vive a perambular pelas adjacências da Praça da República - barba e cabelo há muito não cortados - visual que me leva a crer que ele é o verdadeiro dono do Centro Velho da metrópole. Ele é o que se pode chamar de uma lenda urbana. Ele é Real! Indago-me quem são seus pais, seus irmãos...! Sempre que eu o vejo, pergunto-me se há neste mundo alguém capaz de amá-lo!

Nostalgia
Vestido longo e preto, decote que nos faz imaginar quão fartos são seus seios, aliás, bastante firmes para sua idade! Os olhos, incrivelmente verdes, trazem charmosas rugas que nos levam a uma doce imersão na história! Ali, no lendário Beco das Garrafas (Geograficamente o espaço ainda está lá) – Ela, essa menina-senhora, chora e chora e chora a ausência da Bossa Nova no Beco que ela jura ainda ser o Beco das Garrafas!

Despedida de Casado!
Secretamente, esperta que é, conseguiu um Trabalho de Vendedora nas "Casas Bahia" – experiência ela tem – pois já teve seu próprio negócio lá no Recife! Chegaram os "Tempos das Vacas Magras" e, já aqui em São Paulo, amigou-se com um "jovem senhor" – porteiro de um prédio nas adjacências do Arouche! Um homem cheio de fantasias e caprichos um tanto quanto exóticos – segundo ela! ...Certa noite, ao voltar do trabalho, o "jovem senhor" deparou-se com armários vazios, nenhum vestido sequer a "ingrata deixou". Agora, com trabalho fixo, ela não mais precisa satisfazer as vontades de um "jovem-senhor muitíssimo estranho"! Agora, feliz da vida, ela trabalha nas "Casas Bahia" e nos finais de semana "se acaba" nos pagodes da Vila Joaniza!

Olhos e Máscaras Negros!
Tiago, olhos negros como uma jabuticaba bem madura! Na Igreja de São Judas, surge a noiva com vestido alugado, bela e dissimulada. Tiago, masoquista, exige de si mesmo que os perdoe! No altar, Charles, cínico, espera pela bruxa travestida de princesa medieval! O baile é à fantasia, onde até Veneno Mortal será servido!

Fuga
Ela acordou bem cedo – escovou os dentes amarelados, tomou café, disse bom-dia a ninguém e partiu ninguém sabe pra onde! Espero poder encontrá-la um dia qualquer, numa esquina qualquer! Tomaremos um café levemente amargo, enquanto a cidade ferve em ritmos ultrapesados. Deus queira que assim seja!

Feliz Ano-Novo!
São Pássaros em Revoada - buscam o tão sonhado Porto-Seguro. Juro que, logo depois do Carnaval, juntar-me-ei a Eles - esses Pardais Transcendentais! Agora, sem alvoroço, retiro-me, à francesa! Sigo em direção a Estação Júlio Prestes, onde um Trem-Amigo haverá de levar-me a Osasco. Ainda trago no coração incansável a certeza de um Feliz Ano-Novo; mas, agora, faz-se necessário que mil anos-luz me separem dos Pássaros em Revoada! Hoje, perco-me - para que o Amanhã me encontre Inteiro e Feliz e Eternamente Vivo!

A Dama da Noite (Antes, Durante e Depois)
Ah! Ela é assim mesmo: Com seu longo-decotado-vestido-vermelho; "perfumadamente" cheia de segundas-intenções, entra no elevador como quem nada deseja. Quando menos se espera, ela dá o bote! Depois da mordida fatal, dos lábios docemente cínicos e vermelhos e carnudos e tão-batom escapa a clássica pergunta:- Foi bom p'ra você também, meu bem?! - Assim, num piscar-de-olhos, ela faz mais uma vítima!

Eu, Tu e a História!
Era uma vez um cabrito montês!Acostumado às escarpas existenciais, obedecendo o instinto de sobrevivência, tornou-se bicho arisco - capaz de driblar as irregularidades dos montes, fazendo-se em tudo mercador e egocêntrico e mercenário: um cabrito montês. Mas, vencendo espaço e tempo, num doloroso mergulho no "eu" mais subterrâneo - em meio a suor, lágrimas e sangue, transmuta-se em Cordeiro Sacrificado antes mesmo da fundação dos mundos: Morte e Ressurreição a um só tempo - a mais avançada das tecnologias! Em bandeja de ouro, a Civilização Judaico-Cristã e era uma vez um cabrito montês. Agora, divinamente cheio de grandes propósitos, um Moço Presente em Corpo Físico e com guarda-roupa Prada: Um disfarce fashion apenas. Sim, porque agora também somos a civilização on-line e não mais haverá cabras no cio, pois não mais se levará adiante aquele velho código genético! Agora, um homem digital: Recriação da Humanidade - Nós e ELE para sempre juntos e misturados: Missa de Corpos-Vivos-Presentes e era uma vez um cabrito montês!!!!

Assim meio "Dona Doida"
Calça jeans hiperapertada, blusinha tomara-que-caia, jaqueta de couro, passos apressados e cabelo solto ao vento! Feito uma "dona doida" pós-moderna, segue pela avenida Paulista. Para sua surpresa, no vão do Masp, aos beijos, Cadu e Cris! Pobre Drica!

Uma Certa Ana
11 de Agosto de 2007, faz muito frio na metrópole. Agora, uma certa Ana, da Vila Madalena, segue, nesta tarde fria, para o Largo São Francisco, onde há festa: aniversário da Faculdade de Direito São Francisco. Na sacada do monumental edifício neocolonial, um coral solta a voz com "Cálice" - de Chico Buarque. Antes, no palco principal, o pós-moderno Tom Zé mandava todos irem tomar no verbo - filhos da letra que são; enquanto Ana, extraordinária em sua solidão, remexia os quadris - como só as deusas sabem fazer!

Fragmentos Utópicos
1968, o insano e bestial AI-5, furioso, devora quaisquer utopias! Com olhos incrivelmente verdes, ele, depois de haver lido "O Capital", torna-se o revolucionário líder estudantil! Exilado na cinzenta Londres, escreve estranhas poesias! Passaram-se os anos, veio a anistia, mas ele, hoje com 59 anos, continua a passear pelo subúrbio londrino, sempre à espera do próximo temporal e sem sentir saudade do sol inclemente que ainda aquece as utopias no País do Carnaval!
Cecília
Manhã fria de um sábado qualquer, Cecília, apressada, toma café. No metrô, a folhear uma revista de moda, segue para o Bom Retiro, onde pretende comprar um vestido que lhe caia bem: Cecília está acima do peso e, Cinderela que é, sonha com um Príncipe de Academia, beijando-lhe a boca carnuda!

Plínio e Olga!
No centro velho da metrópole, está a Galeria Olido, onde, na sala de vídeo, apenas Olga assiste a um documentário sobre dança contemporânea. Silencioso, sento-me ao seu lado. Terminado o vídeo, pergunto-lhe sobre Plínio - obtenho uma resposta seca:- Estamos separados. Agora eu sei o que todos já sabiam: Plínio é um traste que só sabe peidar e mentir - sentenciou Olga, com o coração visivelmente ferido.

Vestido de Noiva!
Estávamos eu e Gabriela, como sempre, jogando conversa fora - pois, como já foi decidido pelos Puritanos, somos apenas dois vagabundos que, feito Almas Penadas, vagam pela imensidão da Metrópole - em busca de "sarna pra se coçar". De repente, em nossa frente, eis que surge Túlio com uma mala azul, onde jaz o Vestido de Noiva que seria usado por Maria Rita. Dois dias antes da cerimônia, lúcida que é, desistiu de casar-se com Túlio! Pobre Túlio, que nunca regulou muito bem, agora vive a vagar de bar em bar, carregando a tal mala, em busca da fêmea que queira usar o vestido recusado por Maria Rita. Mas eu, sinceramente, duvido que alguma mulher, em sã consciência, queira casar-se com Túlio!
Relativismo Cultural!
O Amor, este louco fenômeno cultural, em todos os seus desdobramentos, agora me parece quase nada, diante destas contas vencidas! - Exclamou Maria Clara, com o olhar fixo na fotografia de Paulo Luís, seu marido desempregado e bêbado!