quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Separação


Cada casa é uma gaiola de prender passarinhos
Uns tem penas multicoloridas; outros, pardais
Canários, Andorinhas, Paulos, Bem-te-vis!

Tranco-me eu meu apartamento - sou assustado pardal
Trago no franzino peito as incertezas de poeta contumaz
Às vezes, acredito em utopias ditas ultrapassadas e viajo!

Anacrônicas são as minhas utopias - dizem os mais informados!

Trago no peito o desejo de formar o grande exército
Não com armas e fardas sisudas - mas com peito aberto!

Certo de que o amor é o único bem universal a ser compartilhado!

Não acredito mais em pátria nem em nada abstrato
Só posso crer no Poder do Amor, não acredito em tratados!

E o amor não passa pelos mal-assombrados coitos noturnos!

O amor jamais usou coturnos, nem vive pelas esquinas.
O que eles dizem ser amor - nunca o foi nem o será!

É apenas mordida que deixa na boca uma ferida crônica!

Todos os poetas e profetas já disseram em alta voz:
Tão-somente o amor Pode Salvar o mundo do fim cinzento
Mas nenhum de nós ouviu as palavras da nua profecia

Sim! Somos todos culpados pela nudez do caos que nos cega!
A cidade que chora com um olho só - cansada e solitária e infeliz!
Esquecemos de amar cada pedra na qual tropeçamos embriagados!

Somos todos Hóspedes do Grande Manicômio! Só amamos aquilo que não nos fere!

Agora, vamos todos, com ridículas fardas, rumo ao nada
Traga mais um cálice - quero beber a cidade tão vazia!
A poesia partiu para desertos distantes - destroços!

Só há caroços estéreis pelo meio do caminho árido!

Nada mais nos lembra aqueles tempos de Carnaval Infindável
Quisera eu poder ir ao mar - dar um mergulho - lavar a alma!

Mas agora é tarde! Adeus, meu bem! Tudo bem! Tudo se acabou!
As chaves? Eu as deixo com o zelador! Os discos de Cazuza, eu os levo!

Preciso partir! Neste lugar já há muitas cinzas!
Agora, só há caroços pelo caminho muito árido!

As chaves ficam com o zelador. Adeus, meu bem!
Os discos de Cazuza são meus. Vou dar um mergulho!

Não com armas e fardas sisudas! O amor não usa coturnos!
São apenas casas de prender passarinhos. Sou um pardal!

Adeus, todos vocês que se cansaram de mim!
As chaves, eu as jogo todas no mar! Adeus
Paulo Neuman

Homem de Barro


Eu, O Homem de Barro
Acorrentado na ilusão de que sou um Deus
Meu coração faminto e vencido
Destruindo as estruturas da divindade de barro

As lágrimas:
Berram e correm livres pelo rosto de um cansado Deus
Quando eu e a metrópole choramos com um olho só!

Eu, o homem de barro, ensandecido e bêbado e errante
Quando se desfaz o barro e as lágrimas correm livres

Berram todos os meus órgãos e sentidos e utopias
Ouço canções de Chico e desfaleço outra vez

Não mais quero que me seja tirado o cálice
Eu, o homem de barro, vencido pelo escuro da terra!

Eu, quando as lágrimas correm livres pelo rosto
O rosto de um cansado Deus de berro e utopias

A história é construída de barro que se desfaz
Quando o homem desfaz o barro e voa nas asas do vento

Todas as portas de bronze são destruídas
De repente, o homem já não é mais barro!

De repente, crianças livres e capazes!
Paulo Neuman