sábado, 13 de setembro de 2008

Espetáculo!


Disseram que eu não tenho presença cênica
Chamara-me de canastrão, de cara-de-pau!

Tiraram de mim o texto e o deram a outro rapaz
Expulsaram-me a pontapés do palco iluminado
Não ofereci resistência! Saí seco e resignado!

Não sou ator com fibra suficiente para esta produção
Foi o que disse a atriz, aplaudida pelos coadjuvantes!
Em mim, não há nenhuma beleza que se possa apreciar
E o sangue vermelho não cai bem sobre a pele morena!

Sim, foi o que disseram os falsos pastores de plantão
No que foram aplaudidos pela figurinista mordaz!

Com agulhas perversas costuram-me a Boca Revolucionária!
Amordaçado estou! Não posso mais proferir verdades e poemas!

Mas, num perfeito insight, lembro-me das praças e ruas
Onde jazem os deserdados, ávidos pelo Novo Amanhecer!

Um anjo toca a minha boca, cai a mordaça!
De longe, vejo a cidade sedenta, faminta e só!

Aos famintos lanço minhas palavras como semente em terra fértil!
Desperto a ira da vanguarda ameaçada e volto ao jardim!

Com um beijo você trai o Filho do Homem!!!

Arrastaram-me para fora da cidade que enxerga com um olho só!
A cena das cenas: Sangra o Corpo! O Universo Treme de Dor!!!


No Terceiro Dia, Eu Sou a História: Começo, Meio e Fim!!!
A Cortina do Templo Foi Rasgada! Os Filhos Já Podem Voltar!!!

E Todo o Poder Cênico Me Foi Dado - Hoje e Sempre!
Entre você também! As luzes do palco já estão acesas!!!



Paulo Neuman

Espelhos Noturnos


A noite não o torna incapaz de refletir
É e sempre será um objeto reflexivo
Você pensa ter divorciado do mundo

Vou-me embora para Paris e lá está você
Como a dizer que o mundo é pequeno
Mudo-me pro Recife, feito assombração
Lá está você - performático - ácido

Dor no estômago - devora-me outra vez
E a vida segue sempre em frente - dane-se!
Seguramente você é uma assombração
Não sei mais de nenhuma reza eficaz

A cidade traz-me novidades medievais
Bruxos e inquisidores encontram-se na praça
Não há o sol da meia-noite e a atriz esquece o texto
Entro em êxtase e roubo a cena! Puta que o pariu!

Urubus rondam o cadáver - ávidos por carniça
O Bêbado atiça o cão famélico e sádico e mordaz
O sangue jorra pela praça - final apoteótico!

Caótico? Sim - é tudo muito confuso!

Paulo Neuman

Seres Urbanos

Somos e estamos e queremos: concreto e vidro
Insisto em tirar a roupa para você me ver amanhã
No centro de metrópole - tomamos aquele café
O chá: pode ser de hortelã ou mate ou erva-doce

Cogumelos gigantes atormentam minha existência!

Na escada do Teatro Municipal trocamos confidências
Confio em você e sei que jamais me trairá amanhã!
O que passou já passou! Agora, de mãos dadas!

Sempre juntos, rumo a estação de trem!
Vem, meu amor - nada se acabou!

Tudo continua como antes e a cidade chora com um olho só!
Paulo Neeuman

Eu e a Fogueirinha


Dentre todas as músicas que já ouvi e dancei
Não me lembro de nenhuma! Tudo passa depressa!

Nesta vida, só me lembro de você: céu azul e distante!
Carneirinhos de algodão e tantas estrelas cadentes!

Quase tudo se torna tão inútil, enfadonho, pesado!
Crianças somem das praças e velhos não jogam mais dama!

O drama que já tinha três atos - agora são oito!
Não há mais os biscoitos feitos pela tia Maria

As frutas apodrecem no centro da mesa pesado-escura
Desidratados, morrem todos os meus animais de estimação!

Morro de sono! Queria poder dormir vinte anos!
Tenho que permanecer acordado! De olhos bem abertos!

Decerto, eu não sou lá muito feliz!
, nesta cidade não tem pracinha da matriz!
Nem Festa de São João! Eu sou um babão?!

Traga-me um cesto de limão! Vou desafiar a dor!

Quero viajar para o interior do país!
Já não tenho mais a velha mochila!

Não tenha a mesma idade que tinha quando aqui cheguei!

Não tenho mais o par de tênis surrado - azul e branco
Não estou agüentando o tranco - fraco que sou!

Agora, a vida parece um trator que, com sadismo
Passa por cima de mim, pobre homem que sou!
Eu, ovelha sem pastor! Chame o médico! Desfaleço!

Acho que vou morrer de tanta dor no pescoço
Na alma, nas costas, nos dedos, nos sonhos, nos pés!

Quero berrar feito bicho desmamado
Não agüento mais a dor da existência
Todos zombam de mim, xingando-me de babão!

Traga-me um cesto de limão! Vou desafiar a dor!

Quero viajar pro interior do país
Traga-me um píris de veneno mortal!

As frutas apodrecem no centro da mesa
O cachorro e o gato já morreram secos!

Mas se Deus quiser, eu não vou morrer agora! Não vou!
Antes que chegue a hora de cantar junto à fogueirinha de papel!

Paulo Neuman



Elementos

Somos elementos de diferentes conjuntos
Juntos, não chegaremos ao canto determinado
Divórcio é tudo o que podemos ser amanhã
Canto aquela canção e me despeço de você

Gosto da poesia de Manoel Bandeira
Porque conheço minhas perdas e fracassos
Trago na manga a carta definitiva de ontem
Não dou bandeira - não estou apaixonado!

Nadei para não morrer na praia deserta
Volto para a metrópole com angústias urbanas
Sábado haverá sarau no bar de Rosa Maria
Contudo, trancar-me-ei naquela retrospectiva!

Enquanto lá em Trindade ninguém dorme nem hoje nem nunca...

Ontem eu era o cineasta em busca do panorâmico
A musa disse-me não mais uma vez e nada é novo
Os atores sentem fome e eu ofereço "nada" a todos
Eu não quis fazer-me de vítima - dancei forró!

Encomendei Rosas Vermelhas ao ontem-insano!
Agora já não amo mais ninguém - enganado fui!

Paguei pelas Rosas Vermelhas e nada recebi!

Nesta altura do drama, eu quero apenas desfalecer
Numa perfeita desconstrução de mim mesmo estilizado
Em sonhos, mudo de endereço e viajo feliz outra vez!

Bem que eu quis beber apenas o passado remoto
Mas a taça já estava sobre a mesa arrumada e definitiva!

Garçons circulam pela sala suspeita...
Já é madrugada e nada de concreto acontece...

Apenas um baile à fantasia:
Todos descaradamente mascarados!
Paulo Neuman

VERTIGEM





No espelho vejo a minha cara e finidade
E tudo é fugaz como a casca de um ovo!

Uma ruga aqui, outra ali! Olhos vermelhos! Boca seca!

Que eu quebre este espelho indiscreto!
Sádico, decreta o fim de todas as minhas vaidades e mentiras!
Arrasta-me a lugares onde não quero chegar acordado! Merda!

Em todos os lugares, sagrados ou profanos, há espelhos
No banheiro, na sala de espera - onde o tempo não passa!
Na sala de jantar-onde não me é oferecido o alimento!

Sento-me na velha cadeira, em frente ao novo espelho
Nada é novidade do outro lado! Na cara pálida, ainda o medo!

Quero negar todos os meus sentidos e transes e pesadelos
Odeio o meu cheiro! Assusta-me tudo o que o espelho mostra!

Quisera eu poder provar um pedaço daquela torta de limão,
Beber um pouco de licor de tangerina e partir quase feliz!

Encharco-me de perfume para fugir de quem sou amanhã
Perco o rumo e não mais me encontro lúcido ou valente
Sonhei que todos os meus dentes foram quebrados por você!

Agora, trago nas mãos trêmulas uma xícara de café forte
Tudo em mim começa a ferver como no Carnaval de ontem!

Mas, em pouco tempo, percebo de novo as cinzas
Nas rugas da minha cara, descubro a história!

A idéia do Movimento agora me parece tão distante!
Tenho medos infantis e necessidades provincianas
Enquanto a metrópole ferve em ritmos ultrapesados!

Sinto vontade de proferir palavrões e poemas
Contra meus inimigos que se vestem de santo
Todos de branco - como em primeira-comunhão!

Enquanto a cidade ferve em sons e ritmos ultrapesados
Da janela do meu quarto, olho para o passado-presente-futuro
Mas nada me é revelado de concreto! Tudo é apenas vertigem!

Ainda assim, eu sigo em frente – com as juras de amor eterno!
E, neste Inferno Existencial, espero o Paraíso que insiste em não chegar!

Paulo Neuman