domingo, 27 de dezembro de 2009

Grande Paulicéia: Veredas - Glorinha do Capão Redondo.


Glorinha do Capão sempre gostou muitíssimo de “gente” – qualquer tipo de “gente”. Basta ser "gente", para cair nas graças de Glorinha do Capão. Uma mulher liberal, sem nenhum tipo de preconceito. Dona de uma personalidade forte, complexa, incomum. Quando Glorinha apareceu na vida de Victor, "outra vida" descortinava-se perante seus olhos ainda infantis. Dona Sophia logo percebeu que o filho estava seguindo por uma “estrada" absolutamente oposta” àquela que havia traçado para o rebento. O pai de Victor morreu quando ele tinha dez anos. Foi criado pela mãe, uma mulher pra lá de autoritária. Victor freqüentou bons colégios de classe média alta, formou-se em arquitetura pela USP. Homem inteligente e de sensibilidade apurada, poderia, se quisesse, ter-se transformado em um arquiteto de sucesso. Victor era um CDF (Os NERDS da época) . Vivia para os estudos. Um dia, resolveu conheceu o outro lado da vida: esqueceu que era um CDF e aceitou o convite para participar de uma daquelas “festas de arromba” que aconteciam na USP. Foi nessa festa que conheceu Glorinha. Apesar de serem pessoas com temperamentos e mundos bem diferentes, logo pintou um clima entre os dois e a troca de olhares era inevitável. Glorinha não estudava na USP, aliás, Glorinha do Capão nunca estudou em nenhum lugar que não seja a sua própria cartilha. Sempre foi uma garota articulada, com amizades diversas, transita pelos mais variados espaços com a desenvoltura que lhe é peculiar. Até então, Victor só havia visto uma mulher pelada em revista. O jeito descolado da menina de dezessete anos deixou o tímido estudante de arquitetura impressionado, apaixonado, excitado. Glorinha dançava, bebia, fumava maconha, beijava todos na boca. Para Victor tudo aquilo era muito novo. Victor gostava de estudar, mas também queria fazer tudo que um garoto da sua idade fazia, porém se pelava de medo da mãe. Victor sempre foi um homem muito bonito: porte atlético, sobrancelhas negríssimas, contrastando com a tez clara. Nos tempos de faculdade, Victor ficou conhecido como o Belo do Morumbi. Glorinha logo percebeu o interesse de Victor por ela. Todos muito loucos. Som no volume máximo. Victor, tímido, com um copo de cerveja na mão, apenas assistia a tudo. De repente, Glorinha aproxima-se do menino tímido e beija a sua boca, sem mais preâmbulos. Victor, vermelho de vergonha, não resiste e, passivamente, entrega-se ao “seu primeiro beijo”


- Meu nome é Glória! Glorinha do Capão! E Você - como se chama?

- Meu nome é Victor.


Dali, no chevette azul de Lamar, Glorinha o leva para o “Luar de Prata”: Boate “mais ou menos” de Viração da qual Lamar era o proprietário. Nos fundos da boate, havia uma espécie de DARK ROOM e foi lá que, pela primeira vez, Victor soube o que é uma Mulher. Seu Moço, com certeza, Glorinha foi a primeira e a única “mulher” na vida de Victor. A partir daquele dia, não mais se desgrudaram. Apesar de terem personalidades bastante diferentes, Victor e Glorinha se davam muito bem. Formavam um belíssimo casal. Glorinha ensinou a Victor as coisas boas da vida. Victor continuou sendo um “bom menino”, estudioso, de boas notas, mas, sem dúvida alguma, Glorinha fez de dele um menino mais esperto, já não tinha mais aquela cara de CDF. O que Victor não conseguiu mudar até hoje foi a influência que Dona Sophia exerce sobre ele. Victor nunca conseguiu livrar-se das garras dominadoras da mãe. Dona Sophia é uma mulher autoritária! Tudo tem que acontecer de acordo com a sua vontade. Esperta que é, percebeu que algo de muito extraordinário estava acontecendo com o filho. Quis saber e Victor disse-lhe que havia conhecido uma garota e que estava apaixonado. Dona Sophia quis saber de quem se tratava: Nome e Sobrenome. E Victor, sem titubear, disse-lhe:

- Mamãe, ela é a garota mais linda que eu já vi. O nome dela é Glorinha do Capão Redondo. – Resposta essa que levou Dona Sophia a um estado de completa histeria:

- Meu Deus, onde eu errei. Eu sabia que algo de muito errado estava acontecendo com você, meu filho. Você misturado com essa gente do Capão Redondo! Porque se essa pessoa é chamada de Glorinha do Capão Redondo é porque evidentemente deve ser daquelas bandas. Você está louco, Victor?! Você está usando drogas, meu filho?

- Mamãe, a Glorinha é uma menina muito especial. A senhora há de gostar muito dela. Vou trazê-la aqui em casa e a senhora verá que Glorinha é uma garota bacana.

- Não ouse, Victor, trazer essa gente do Capão para a minha casa. Eu exijo que você acabe imediatamente com esse namoro descabido. Meu Deus – onde já se viu: meu filho namorando uma pistoleira que se chama Glorinha do Capão Redondo!


Paulo Neumam
Uma Obra de Ficção (Qualquer semelhança com nomes (pessoas) ou fatos reais terá sido meca coincidência.
Fotos de Adrebal Lírio
Creative Commons License
Grande Pauliceia: Veredas - Glorinha do Capão Redondo - Pag. 03 by Paulo Neumam Farias Souza is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Grande Pauliceia: Veredas - Glorinha do Capão Redondo


Tudo tem limite, exceto a beleza de Glorinha do Capão Redondo! Ela não é Capitu, mas também tem olhos de ressaca. Não é mais uma menina, mas a juventude teima em morar no sorriso imutável da mulher cujos olhos irradiam inusitada luz verde! Tipo esguio, cabelos sempre soltos ao vento. Filha de Iansã. No verão ou no inverno; de dia ou de noite, gosta de vestido longo para sair. Gosta também de Ray-Ban, modelo aviador. Uma mulher em busca de uma estética que a defina, individualizando-a na multidão de uma cidade que chora com um olho só! Muitos dizem que ela é chique, outros, uma mulher esquisita, de gosto duvidoso. Mas num ponto, todos estão de acordo: Glorinha do Capão Redondo é lindamente desvairada! Sabe proferir palavrões com a mesma elegância que, em mesa de bares, declama “Traduzir-Se”, seu poema preferido. Tudo pode ser explicado, exceto a complexidade de Glorinha do Capão Redondo. Ninguém sabe ao certo sua origem. Sabe-se apenas que chegou a São Paulo no comecinho da década de 80, quando era uma menina inquieta, no frescor dos seus dezassete anos. Amava Pink Floyd e Caetano Veloso! Amava também um bom vinho tinto. E, nos fins de semana, não dispensava um cigarrinho de maconha. Glorinha amou alguns poucos homens, mas não quis ficar com nenhum deles: dizia não ter vocação para “dona de casa”. Com Víctor, foi mãe de Jorge Lennon, seu único filho, que hoje, aos 23 anos, resolveu dar um “rolê” por Amsterdam. Jorge Lennon: foi-lhe dado este nome em homenagem a John Lennon e a São Jorge. Glorinha sabe que Jorge Lennon saiu a ela, tem, portanto, espírito aventureiro e não deve estar em Amsterdam frequentando missas dominicais. Em São Paulo, Glorinha, uma Loba em plenitude; no que se refere à cria, é como qualquer mulher: morre de saudades do filho, cujo nome está tatuado em seu pé esquerdo. Muita saudade, sem, contudo, perder a capacidade de ser feliz. Glorinha e Jorge Lennon estão em constante contato pela Internet e vez por outra, falam-se por telefone. Da mãe, Lennon herdou o enigmático olhar verde e o prazer pela "aventura existencial"; do pai, sobrancelhas espessas e negríssimas, que contrastam com os belos olhos verdes e tez clara! Víctor, seu pai, agora é Pastor em uma igreja evangélica e sonha levar Glorinha e Lennon para o “Caminho da Salvação e da Luz”. Só que Victor se esquece que dos olhos de Glorinha sempre emanou toda luz que ela necessita para chegar a Seus Portos Seguros. Uma Luz Verde emana dos olhos de Glorinha do Capão Redondo! Glorinha nuca foi Santa, mas também nunca foi Puta e Jorge Lennon é o Fruto do seu Ventre, Victor é a Pedra em seu Sapato "Dolce & Gabbana". De onde Glorinha veio, poucos sabem, mas numa observação mais atenta de sua entonação, percebe-se, bem lá no fundo, um leve sotaque nordestino. Talvez, Jorge Lennon seja o único a conhecer, na íntegra, a história da mãe. Não sei por que ainda a chamam de Glorinha do Capão Redondo, se já faz muito mais de dez anos que se mudou do Capão, sem, contudo, cortar os laços com o lugar que a acolheu naquele verão de 1982. Todo último domingo de todos os meses, no bar de Pedrinho da Paraíba, velhos amigos se reúnem para a famosa “Feijoada de Rosa Maria” e, evidentemente, Glorinha é presença certa! Cerveja, Feijoada e Samba de Raiz fecham o mês em azul, naquelas bandas da Grande Paulicéia Desvairada! Boa Música e a Alegria de Viver tomam conta dessas tardes de domingo. Tardes que confirmam que o tempo não pára e confirmam também que a canção está certa ao dizer que amigo é coisa pra se guardar dentro do coração...

Paulo Neumann

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes (pessoas) ou fatos reais terá sido mera coincidência. (Direitos Autorais Reservados)

Todas as fottos utilizadas nas montagens são do fotógrafo Adrebal lírio