Vivemos o tempo em que o “politicamente correto” dita os comportamentos sociais. No transporte coletivo, por exemplo, temos os assentos reservados para passageiros especiais, dentre eles “mulheres” portando bebês ou crianças de colo (como se fosse inadmissível um homem em condição semelhante). São os reflexos machistas de uma sociedade ainda em mutação, creio! Dia desses, indo para o centro, sentei-me num desses bancos reservados, pois, como está escrito, na ausência de tais passageiros, o uso é livre! Mais eis que, na Avenida Giovanni Gronchi – altura de Paraisópolis, entra no ônibus uma bela “moça grávida” e, antes que eu fosse metralhado pelos olhares inquisidores, cedi o assento à Bela Gestante!
- Moça, sente-se aqui! (eu também sei ser politicamente correto, tá ligado?!)
- Obrigada, querido! Respondeu a bela grávida, com o mais lindo sorriso que eu já vi! É uma mulher lindíssima – acho que a gravidez a deixou mais bela ainda!
- Uma bela “moça grávida!” – pensei com meus botões! Naquele momento, fui arrastado para o final da década de 1960, começo da década de 1970, quando eu era uma criança no interior do país! Um menino que se impressionava com casos de homens que viravam lobisomens em noite de lua cheia e mulheres que se transformavam em mulas-sem-cabeça, por se apaixonarem por padres, dentre outros casos cabeludos. Nessa época e nesse lugar deliciosamente bucólico, “moça” era sinônimo de “mulher virgem”, mulher que nunca tivera um relacionamento sexual. Podia ser uma anciã com a cara impregnada de rugas, mas se nunca tivera "conhecido um homem", era tida como “moça”. Não raro, ouvia-se dizer: “Dona Fulana de Tal ainda é “moça” – e a Fulana em questão já beirava os cem anos! Nessa época e nesse lugar, a expressão “moça grávida” seria, no mínimo, uma insanidade! As mulheres, em qualquer idade, que ousassem ceder aos apelos da carne, entregando-se ao prazer, sem a anuência-bênção da “santa igreja”, seriam tidas como “perdidas” e não eram mais consideradas “moças”. Com bastante frequência, eu ouvia “os mais velhos” dizerem: “Coitado do seu fulano” - A filha dele se perdeu! Esses comentários deixavam-me angustiado: Eu imaginava que a “mulher perdida” encontrava-se sozinha em uma mata muitíssimo escura, cheia de lobisomens e mulas-sem-cabeça e que seria muito difícil para ela encontrar o caminho de volta para a casa do pai! Não entendia porque o pai não saia em busca da “filha perdida” – também não entendia por que os homens não se perdiam! Eu só ouvia falar de casos de mulheres perdidas! A mim, só restava torcer para que a história tivesse um final feliz, com a “mulher perdida” encontrando o caminho de volta para a casa do pai! O tempo foi passando, fui crescendo e comecei a entender qual era o tipo de “perdição” que levava os pais à loucura! Meus olhos foram abertos e comecei a enxergar a Sociedade Patriarcal Insano-Machista da qual eu fazia parte! Meninas na flor da idade eram violentamente expulsas de casa! A mãe chorava a má sorte da filha e o pai, cabra macho, saia na captura do desgraçado que fizera “o mal” à sua filha!
- Se o safado não quiser casar, arranco-lhe o saco! - Eu "capo" o filho da puta! – Não raro, “o safado” escafedia-se! Desaparecia para sempre, deixando Maria só e “perdida”, carregando o peso social do estigma. Em alguns casos, Maria era acolhida na “Rua do Urubu” – o lugar das “desavergonhadas” – lugar de “mulher-dama”. Havia casos, quando o “infortúnio”, o “drama familiar” ainda não se tornara público, a jovem era submetida a abortamento, quase sempre com plantas "semivenenosas", de sabor muitíssimo amargo – assim, a jovem recuperava seu status de “moça”. Em outros casos, travava-se homérica batalha entre a família que sofria com o drama da "filha deflorada" e a família do "garanhão", cujo pai se vangloriava pelas esquinas mal-assombradas: "Meu bode" está solto, prendam "suas cabritas" - e, assim, cinicamente, tudo se reduzia ao "mundo animal". Mas O Tempo Não Para – E Isso É Muito Bom! Hoje, quase quatro décadas à frente, eu posso encontrar-me com o Divino Sorriso de uma “Nova Maria”: Moça, Bonita, Grávida, Elegantíssima - Aliança não há - nem na mão direita nem na mão esquerda! Moça - Mulher na Flor da Idade! E, a julgar pelo sorriso, felicíssima com a gravidez! Bendito é o Fruto do seu Ventre! Amém!
Paulo Neuman
- Moça, sente-se aqui! (eu também sei ser politicamente correto, tá ligado?!)
- Obrigada, querido! Respondeu a bela grávida, com o mais lindo sorriso que eu já vi! É uma mulher lindíssima – acho que a gravidez a deixou mais bela ainda!
- Uma bela “moça grávida!” – pensei com meus botões! Naquele momento, fui arrastado para o final da década de 1960, começo da década de 1970, quando eu era uma criança no interior do país! Um menino que se impressionava com casos de homens que viravam lobisomens em noite de lua cheia e mulheres que se transformavam em mulas-sem-cabeça, por se apaixonarem por padres, dentre outros casos cabeludos. Nessa época e nesse lugar deliciosamente bucólico, “moça” era sinônimo de “mulher virgem”, mulher que nunca tivera um relacionamento sexual. Podia ser uma anciã com a cara impregnada de rugas, mas se nunca tivera "conhecido um homem", era tida como “moça”. Não raro, ouvia-se dizer: “Dona Fulana de Tal ainda é “moça” – e a Fulana em questão já beirava os cem anos! Nessa época e nesse lugar, a expressão “moça grávida” seria, no mínimo, uma insanidade! As mulheres, em qualquer idade, que ousassem ceder aos apelos da carne, entregando-se ao prazer, sem a anuência-bênção da “santa igreja”, seriam tidas como “perdidas” e não eram mais consideradas “moças”. Com bastante frequência, eu ouvia “os mais velhos” dizerem: “Coitado do seu fulano” - A filha dele se perdeu! Esses comentários deixavam-me angustiado: Eu imaginava que a “mulher perdida” encontrava-se sozinha em uma mata muitíssimo escura, cheia de lobisomens e mulas-sem-cabeça e que seria muito difícil para ela encontrar o caminho de volta para a casa do pai! Não entendia porque o pai não saia em busca da “filha perdida” – também não entendia por que os homens não se perdiam! Eu só ouvia falar de casos de mulheres perdidas! A mim, só restava torcer para que a história tivesse um final feliz, com a “mulher perdida” encontrando o caminho de volta para a casa do pai! O tempo foi passando, fui crescendo e comecei a entender qual era o tipo de “perdição” que levava os pais à loucura! Meus olhos foram abertos e comecei a enxergar a Sociedade Patriarcal Insano-Machista da qual eu fazia parte! Meninas na flor da idade eram violentamente expulsas de casa! A mãe chorava a má sorte da filha e o pai, cabra macho, saia na captura do desgraçado que fizera “o mal” à sua filha!
- Se o safado não quiser casar, arranco-lhe o saco! - Eu "capo" o filho da puta! – Não raro, “o safado” escafedia-se! Desaparecia para sempre, deixando Maria só e “perdida”, carregando o peso social do estigma. Em alguns casos, Maria era acolhida na “Rua do Urubu” – o lugar das “desavergonhadas” – lugar de “mulher-dama”. Havia casos, quando o “infortúnio”, o “drama familiar” ainda não se tornara público, a jovem era submetida a abortamento, quase sempre com plantas "semivenenosas", de sabor muitíssimo amargo – assim, a jovem recuperava seu status de “moça”. Em outros casos, travava-se homérica batalha entre a família que sofria com o drama da "filha deflorada" e a família do "garanhão", cujo pai se vangloriava pelas esquinas mal-assombradas: "Meu bode" está solto, prendam "suas cabritas" - e, assim, cinicamente, tudo se reduzia ao "mundo animal". Mas O Tempo Não Para – E Isso É Muito Bom! Hoje, quase quatro décadas à frente, eu posso encontrar-me com o Divino Sorriso de uma “Nova Maria”: Moça, Bonita, Grávida, Elegantíssima - Aliança não há - nem na mão direita nem na mão esquerda! Moça - Mulher na Flor da Idade! E, a julgar pelo sorriso, felicíssima com a gravidez! Bendito é o Fruto do seu Ventre! Amém!
Paulo Neuman
No Altura do Paraisópolis, Uma Moça Grávida: Memórias Outras by Paulo Neumam Farias SouzaCreative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License. is licensed under a